Drunk Bear & RPG

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quarta-feira, 4 de novembro de 2009

A Alma Perdida do World Of Darkness: O Horror Pessoal de Vampiro

Série: A Alma Perdida do World Of Darkness

Introdução

Desde seu lançamento no inicio da década de 90 o World of Darkness é um dos RPG’s mais populares do mundo. Seu grande sucesso começou com o jogo de horror pessoal Vampiro A Mascara que quebrou os limites que os RPG´s até então vinham seguindo, a começar por ser um dos primeiros títulos que possibilitavam aos jogadores jogarem com os monstros do cenário e não contra eles. Vampiro trazia um cenário que exigia maturidade e seriedade dos jogadores, em um nível incrivelmente maior do que a imensa maioria de RPG´s que existiam no mercado até então, em um manual que se fixava quase que totalmente no cenário do que nas regras. O cenário deu tão certo que em poucos anos um batalhão de novos manuais e suplementos invadiram o mercado com grande margem de sucesso.

Com o passar dos anos o cenário mundial do RPG mudou drasticamente, tornando-se cada vez mais vasto e abrangendo cada vez mais um grupo maior de jogadores, incluindo principalmente uma legião de jogadores mais novos, tanto em experiência quanto em idade. As razões e conseqüências disto foram tão amplas que renderiam um tópico à parte, porém uma destas conseqüências foi marcante para todos os jogadores de WoD que viram seu RPG de Horror totalmente transformado pela nova geração de jogadores, ao menos isso é o que é facilmente constatado nos encontros de RPG. Essa mudança de gênero se deu a massificação e popularidade dos cenários WoD abrangendo então uma vastidão de jogadores da nova leva, sem a maturidade necessária para um jogo de Horror.

Este é o primeiro de uma série de textos onde buscarei resgatar o climax e a verdadeira percepção dos antigos jogos publicados pela White Wolf. O primeiro desta série de textos abordará sobre a banalização e imaturidade crescente do publico de Vampiro: "A Máscara", em seguida abordarei outros títulos do universo WoD, como Mago: A Ascensão, Lobisomem: O Apocalipse, Changeling: O Sonhar e Múmia: A Ressurreição.


O Horror Pessoal de Vampiro

Na capa das antigas edições de Vampiro A Mascara vinha em destaque a frase “Um Jogo de Horror Pessoal”, sinceramente não sei se nas ultimas edições esta frase ainda aparece porém ela define as principais características do cenário, que cada vez mais são colocadas de lado nas mesas de jogo que tenho testemunhado. Vampiro é o título mais intimista de todos os títulos principais de WoD, ao contrário do que muitos afirmam o centro deste jogo é não apenas os personagens, mas sim todo o efeito pessoal do mundo em que vivem e de sua condição de não-vida na mente e nos sentimentos de cada um.

Ao se tornar um vampiro os personagens não se transformam de imediato em pessoas frias, calculistas, sem sentimentos ou pensamentos profundos, muito pelo contrário ou o que seria do medo, da aventura e algumas vezes da fúria dos primeiros dias como cria da noite? Ou então, o que seria das paixões platônicas que podem aplacar a alma até dos vampiros mais poderosos? Ou ainda, o que seria da fúria vampírica, do medo da morte final, da busca pela redenção ou mesmo da loucura malkaviana? Vampiros podem perder a sua vida, seus prazeres carnais e até mesmo sua sanidade com o abraço, mas isso não os torna em seres amorfos, sem sentimentos ou sem vontades e pensamentos profundos e íntimos.

O Foco das crônicas de Vampiro é este, todos os efeitos do mundo e da condição vampírica no personagem. Vampiros também amam, chorão e temem, talvez em algumas situações até mais do que muitos mortais. Um neófito do século XX, proposta inicial de todos os personagens de Vampiro A Mascara, pode até mesmo ser impulsionado por um objetivo de atingir um alto respeito hierárquico, uma posição de grande status social, uma grande fonte de dinheiro ou poder de influência em muitos casos mas, isso não impede este mesmo neófito de gerar uma intensa amizade com o homem que bebe ao seu lado nas noites de sábado, se apaixonar por uma mulher que aplaque seus desejos internos de atenção, ou confiar mais na amizade de um homem que em sua capacidade. Vampiros estão mortos em sua carne, mas não em sua alma, mesmo o mais frio dos vampiros quando colocado na situação certa acaba se confrontando com seu intimo, onde muitas vezes existem sentimentos que até mesmo o jogador inicialmente desconhecia.

Além disso, no mundo que cerca cada vampiro além de pessoas vivas e situações que envolvam o vampiro com seus sentimentos há o medo. Os vampiros no geral são crentes fervorosos de sua condição de estabilidade porém muitas vezes esta estabilidade deve se defrontar com ameaças, não ameaças físicas mas sim ameaças que façam o vampiro temer toda a vida que ele acredita ter construído em torno de si. Estes riscos unidos com os sentimentos de cada vampiro geram um contexto que pode ser até mesmo tenebroso fazendo-o andar sempre a um passo do abismo da loucura e do desespero.

Tudo isso caminha lado-a-lado de um cenário denso, triste, falso e cheio de surpresas, e surpresas são ótimas para assustar a estabilidade. Praticamente nenhum vampiro conhece os segredos do cenário ou mesmo de sua raça. As maquinações dos anciões sempre ocultas podem destruir vidas e planos, a cada passo, sem nem se quer se revelar. A confiança colocada em cada personagem pode a qualquer momento se mostrar traída por um plano muito maior que a imaginação do personagem. As capacidades dos vampiros na maior parte dos casos são tão desconhecidas quanto os segredos da existência, ver pela primeira vez um gangrel usando suas disciplinas, por exemplo, pode ser tão assustador e surpreendente para um personagem quanto seria para nós, caso isso nos acontecesse na vida real. Ser traído por um amigo de confiança pode trazer um desespero tão grande quanto defrontar a morte em pessoa, frente-a-frente, se a traição for tão bem planejada quanto merece ser.

Outro ponto importante é sempre destacar que apesar de para algumas coisas o poder pessoal de cada vampiro, ou de cada grupo de vampiros, ser grande seu real poder em frente as engrenagens que fazem o mundo girar é tão insignificante que parece não merecer qualquer atenção.

Uma crônica estável e bem conduzida, conforme o cenário, que constantemente confronte os medos, as tentações, os ricos e os sentimentos e ambições do personagem sempre serão crônicas envolventes e persuasivas que exibem um risco constante aos personagens de perder o pouco que ainda lhes resta de uma “vida”. Estes riscos, aliados aos sentimentos íntimos de cada personagem formam o cenário de Horror Pessoal que o jogo propõe e que muitas vezes quando não é descartado pelo narrador é ignorado pelos jogadores.